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terça-feira, 18 de agosto de 2009


Estou certo de que muitos de vocês já viram a pintura da Roda da Vida. É uma pintura muito popular que vocês podem ver na frente de quase todos os monastérios buddhistas [tibetanos]. De fato, alguns eruditos buddhistas acreditam que esta pintura existiu antes mesmo das estátuas de Buddha. Este é provavelmente o primeiro símbolo buddhista que existiu.

A pintura é, de forma livre, uma representação da vida. Suponho que a curiosidade sobre a vida é uma grande curiosidade que nós temos. Mas a definição de vida é uma coisa bem diversa, então temos de chegar a um acordo mútuo sobre isto. Sei que muitos se referem a isto como a Roda da Vida, sidpa'i khorlo. Mas, realmente, a palavra tibetana sidpa não é realmente "vida". Sidpa realmente significa "existência possível" — talvez seja existente, talvez não, mas é possível que exista. Essa é uma interpretação da vida de acordo com o buddhismo. A interpretação em si é muito profunda, eu penso. E então khorlo significa "a roda", "o chakra", "a mandala", o que novamente em si mesmo possui algum significado profundo porque, quando falamos sobre "mandala", estamos falando sobre o caos; ao mesmo tempo, estamos falando sobre a ordem. Então, estamos falando sobre uma ordem caótica acerca da vida.

Eu estava perguntando às pessoas sobre a definição da palavra "vida". Há muitas definições, mas uma que me chamou a atenção foi "vir à vida", "tornar-se animado". Tenho um sentimento de que, quando falamos sobre "animado", estamos falando sobre algo como a consciência. Então, basicamente, quando falamos sobre "vida", penso que de algum modo estamos falando sobre algo que tem a ver com a mente, a consciência, o estado desperto. Vocês concordariam com isso?

Então, tudo bem, há esta pergunta: Qual é o propósito da vida? Mas antes de falarmos sobre o propósito da vida, o que é vida? Agora, de acordo com o buddhismo, a vida é nada mais é que uma percepção, uma percepção contínua. Isto tornou-se o assunto principal e fundamental dos ensinamentos buddhistas, que é ensinado de muitos modos diferentes, e um modo é através da pintura, eu suponho. Então, se olharem para a figura, vocês verão a interpretação buddhista da vida. Se perguntarem aos buddhistas, "O que é vida?", eles responderão, "É isto, isto é vida". De qualquer modo, como disse, a vida é uma percepção. Uma percepção do quê? Quem é o percebedor? O porco preto no centro. É muito difícil ensinar sobre isto. Isto tem sido o assunto principal dos estudos buddhistas porque vocês têm de definir o que é ignorância. No buddhismo, quando julgamos o que é ignorância e o que não é ignorância, não julgamos algo como ignorante ou mau baseado na moralidade ou na ética. Isto tem de ser julgado com base na sabedoria. Então, quando falamos sobre ignorância, estamos falando sobre uma mente que está no nível da anormalidade. Quando a mente está no nível da normalidade, então isso é sabedoria.

Brevemente, como vocês definem o que normal ou o que não é normal? A definição de Nagarjuna do que é normal é quando algo não é dependente. Se uma entidade depende de uma outra entidade, então nunca estamos certos se a cor ou a qualidade desta entidade presente é realmente a natureza última, porque ela é dependente de uma segunda entidade. Há sempre uma possibilidade de que a segunda entidade possa corromper a primeira entidade. Então, do mesmo modo, uma mente que é dependente de um objeto, uma mente que é dependente de todos os tipos de educação, influência, meditação, é uma mente anormal de acordo com Nagarjuna. Então, o que é uma mente normal? É quando vocês renunciam completamente a todos estes objetos, todas estas entidades das quais sua mente é total ou parcialmente dependente.

Então, agora vocês podem dizer que o porco, que representa a ignorância, é aquele que causa toda esta percepção. Esta não é a melhor pintura. Idealmente, o galo e a cobra deveriam ser vomitados da boca do porco, porque o porco faz nascer a paixão — o galo — e a agressão — a cobra. Agora, por favor, não venham com aquela mentalidade pequena sobre isto ser uma coisa politicamente incorreta, um porco representando a ignorância e assim por diante. Isto é um debate inútil! Por favor, vocês têm de entender que isto é um ensinamento simbólico. E, de algum modo, não sei por quê, os porcos sempre têm sido desafortunados. Os buddhistas têm representado os porcos como o símbolo da ignorância e os muçulmanos até mesmo se privaram de comê-los.

De qualquer modo, o porco representa a ignorância. Da ignorância vem a esperança, que é realmente como a mãe da paixão, e então da ignorância vem o medo, que é como a mãe da agressão. Então, temos três tipos de fatores mentais. É claro que o original é a ignorância, que faz nascer a agressão e a paixão. Então, vocês podem dizer que estes três são os que percebem as coisas. Estávamos falando sobre a percepção. Estes três percebem as coisas de muitos, muitos modos diferentes.

Às vezes, a partir da ignorância vem a esperança de querer ser bom. A partir deste querer sem bom, uma pessoa comporta-se ou manifesta-se de um modo compassivo e não-violento. Neste caso, as percepções dessa pessoa são mais saudáveis, então vocês podem dizer que este tipo de pessoa experiencia percepções como o reino humano, o reino dos deuses e o reino dos semideuses (ou deuses invejosos). Às vezes, a partir da ignorância vem a paixão ou agressão, que criam muita confusão — matam, roubam, destroem a si mesmo ou os outros e fazem nascer percepções não-saudáveis, dolorosas, agressivas. Isso é representado no que chamamos de "três reinos inferiores" — o reino do inferno, o reino dos fantasmas famintos e o reino animal. Então, estes são os seis reinos.

Aqui, há uma mensagem muito importante. Quando os buddhistas falam sobre o inferno, eles não estão falando de um lugar concreto em algum lugar sob a Terra. E quando falamos sobre o céu, não estamos falando sobre algum lugar onde tudo funciona. Não estamos falando de lugar ao qual se migra, basicamente. Quando falamos sobre ir para o inferno, não estão falando sobre ser punido. Penso que o conceito de punição é uma coisa muito nova para os buddhistas, realmente. Apesar de podermos dizer, "Se vocês fizerem tal e tal karma negativo, por causa deste karma negativo vocês irão para o inferno", não estamos falando que há alguém chamado "karma" que irá então forçá-los a experienciar os reinos inferiores como uma punição. Como falamos antes, é uma percepção, dependente da sua mente, dependendo do seu estado mental.

Vamos discutir os seis reinos.

Já que o reino do inferno é o pior, vamos falar sobre ele primeiro, de modo que possamos tirá-lo do caminho. Isto é realmente muito profundo. No reino do inferno, todos os tipos de sofrimento são representados. No centro do reino do inferno senta-se Yamaraja, que é como o Senhor do Inferno. Um Hell's Angel [Anjo do Inferno], eu suponho, não uma Harley Davidson, mas sentado confortavelmente sobre um trono feito de crânios. A pergunta interessante é, "Quem é este cara?"

A partir de muitos textos Mahayana, sabemos quem ele é. Este é ninguém mais que o bodhisattva Manjushri. E quem é Manjushri? Manjushri é o símbolo da sabedoria. Então, novamente aqui, o Senhor do Inferno, que decide quem deve sofrer o quê, por assim dizer, é realmente a sua própria natureza última de sabedoria, sentada lá. Então, há coisas como ser queimado no inferno quente, cair na armadilha no gelo e nas montanhas de neve do inferno frio, e então há todos os tipos de animais.

Há uma coisa que preciso dizer a vocês. Uma das razões pela qual a Roda da Vida era pintada fora dos monastérios e sobre os muros (e foi realmente incentivada até mesmo pelo próprio Buddha) é para ensinar esta filosofia buddhista muito profunda de vida e percepção aos fazendeiros ou vaqueiros de mentes mais simples. Então, estas imagens sobre a Roda da vida são apenas para se comunicar com a audiência geral. O Senhor do Inferno, Yamaraja, segura um espelho. Novamente, isto é muito simbólico — para estarem livres do inferno, vocês não procuram por uma fonte externa, vocês olham para si mesmos: a meditação, como meditação shamatha ou meditação vipashyana.

Agora, há algo muito interessante sobre o reino do inferno. Dentro deles, vocês podem ver uma luz branca subindo, que simboliza que o inferno também é impermanente. Não é que, se vocês forem uma vez para o inferno, então é isso e não há mais saída. Não é assim. Afinal, é a percepção que vocês têm. Se mudarem sua percepção, vocês também podem sair do inferno. Então, há uma pessoa que é representada deixando o inferno.

Então há o reino animal, com todos os tipos de animais. Os tibetanos não viam muitos animais. Os australianos seriam melhores pintando este reino. Os animais nos oceanos e os animais sobre a terra — suponho que eles devem ter esquecido os animais no céu, como os pássaros.

E então há o reino dos fantasmas famintos. Os seres aqui têm um estômago muito grande, um pescoço muito fino e uma boca muito pequena, e estão sempre com fome e com sede, procurando por comida em todo lugar. De modo bem interessante, há alguns fantasmas famintos sentados lá que têm jóias, mas eles são tão mesquinhos que não as dão às outras pessoas. Claro que não! Mas também não as usam para si mesmos. Apenas as guardam para o próximo dia ou para o próximo ano.

Então há o reino dos deuses — castelos, garotas dançando, belas árvores que têm todos os tipos de ornamentos, pessoas passando sua vida apenas ouvindo música, tocando música, tomando banhos, tudo é muito perfeito.

E há o reino dos deuses invejosos. Eles são tão ricos quanto os deuses, mas têm um problema, que é a briga. Eles adoram brigar porque são invejosos todo o tempo. Por exemplo, eles lutam muito com os deuses. Esta árvore é chamada "a árvore que realiza desejos". Ela nasce realmente no reino dos deuses invejosos. Os deuses invejosos ficam ocupados tomando conta desta árvore, mas ela é tão grande que, quando dá flores e frutas, geralmente o faz bem lá em cima, e apenas os deuses podem alcançá-las. Então, o esforço de todos os deuses invejosos em tomar conta da árvore é desperdiçado. Isso realmente engatilha muita raiva e inveja, que então cria muita briga entre o reino dos deuses invejosos e o reino dos deuses. Tristemente, os deuses sempre ganham, mas os deuses invejosos simplesmente não desistem. Eles sentem que um dia poderão derrubar aqueles no reino dos deuses.

No reino humano, vemos sofrimento e dor — nascimento, morte, velhice, doença. Ao mesmo tempo, vemos pessoas se divertindo, por exemplo. Também vemos pessoas pensando, contemplando e descobrindo. Então, temos seis reinos. De forma livre, vocês podem dizer que, quando a percepção vem mais da agressão, vocês experienciam as coisas de um modo infernal. Quando a percepção é filtrada através do apego, agarramento ou avareza, vocês experienciam o reino dos fantasmas famintos. Quando a percepção é filtrada através da ignorância, então vocês experienciam o reino animal. Quando têm muito orgulho, vocês renascem no reino dos deuses. Quando têm inveja, renascem no reino dos deuses invejosos. Quando têm muita paixão, renascem no reino humano.

Mas a palavra "nascer" ou "renascer" significa muito. Ela não necessariamente significa que, bem agora, estamos todos no reino humano e que não estamos nos outros cinco reinos. Dependendo de qual tipo de karma criamos, nós podemos ir aos outros reinos. Se o karma para experienciar o reino do inferno for o mais forte, então, eu suponho, vocês mudarão esta forma e então, com uma outra forma. experienciarão o tipo infernal de percepção. Mas de acordo com o buddhismo Mahayana, os seis reinos são algo que podem acontecer no decorrer de um único dia!

Então, temos seis reinos. De forma livre, vocês podem dizer que quando a percepção vem mais da agressão, vocês experienciam as coisas de um modo infernal. Quando sua percepção é filtrada através do apego, agarramento ou avareza, vocês experienciam o reino dos fantasmas famintos. Quando sua percepção é filtrada através da ignorância, então vocês experienciam o reino animal. Quando têm muito orgulho, vocês renascem no reino dos deuses. Quando têm inveja, renascem no reino dos semideuses. Quando têm muita paixão, renascem no reino humano. Mas a palavra "nascer" ou "renascer” significa muito. Não necessariamente significa que, bem agora, estamos todos no reino humano e não nos outros cinco reinos. Dependendo de que tipo de karma criarmos, nós iremos para os outros reinos. Se o karma para renascer ou experienciar o reino do inferno for o mais forte, então vocês, eu suponho, mudarão esta forma e então, com uma outra forma, experienciarão um tipo infernal de percepção. Mas de acordo com o buddhismo Mahayana, os seis reinos são algo que pode acontecer no decorrer de um dia!

Por exemplo, quando acordam de manhã, vocês podem estar bem entorpecidos e meio estúpidos, ou ainda sonolentos. Talvez estejam atravessando o reino animal — passaram a última noite fora, ou uma noite sem dormir, ou deprimidos. Talvez, depois de acordarem, alguém que vocês não gostam telefona e o seu dia é arruinado na primeira hora da manhã. Então, vocês realmente ficam raivosos e isso é o reino do inferno. A fim de se livrar dessa situação infernal, vocês assistem televisão. Talvez aconteça de vocês assistirem SOS Malibu. Estou falando sobre um homem, aliás, um homem direito. Vocês se sentem um pouco nauseados com todas essas vistas no SOS Malibu. E então, talvez naquela hora, vocês atravessam o reino humano. Uma vez que terminem de assistir aquilo, vão dar uma caminhada e acontece que o seu vizinho, que efetivamente é bem velho e de aparência nerd, está caminhando em sua direção com a mais bela garota em seus braços. Então vocês sentem um pouquinho de inveja ou ciúme, "Meu Deus, de todas essas pessoas, ele?" Isso é o reino dos semideuses.

Depois disso, vocês vão a um protesto antiguerra, mas não necessariamente com uma boa intenção. É mais com a intenção de "Esta é a coisa politicamente correta a se fazer", e isso é arrogância, não é? E suponho que, quando vocês passando nesse protesto antiguerra, xingando alguns dos bodes expiatórios que elegemos com nosso próprio voto, isso é o que chamo de reino dos deuses — auto-retidão, um tipo de compaixão politicamente correto, uma atitude "faça a coisa certa". Isso é muito divino, muito, muito arrogante. E, provavelmente, em alguma hora durante o dia, vocês passarão uma hora legal, e esta hora legal vocês não vão querer compartilhar com os outros. Talvez este seja o reino dos fantasmas famintos. Então, quando falamos dos seis reinos, efetivamente estamos falando sobre experiências que podem vir no decorrer de um dia. Não é um lugar diferente.

Agora, o aspecto mais importante desta roda da vida é isto: onde quer que estejam — não importa se estejam no inferno, no céu, no reino dos fantasmas famintos ou onde quer que seja —, vocês estão sob uma lei, sob uma autoridade, sob um ditador. Quem é ele? É este homem horrível; estão sob suas garras, sob suas presas. Quem é ele? O Tempo. Este monstro representa o tempo. E o que é tão ruim quanto a ele? Oh, tempo significa incerteza, impermanência, mudança.

É claro, ele tem seus pontos positivos, mas geralmente não os percebemos muito. Por exemplo, vocês poderiam estar experienciando o reino dos deuses, mas isto é mutável. Se não mudar hoje, mudará amanhã. Poderiam estar experienciando o reino dos infernos — mutável! Neste caso, é uma boa notícia. Onde quer que estejam, incluindo a experiência dos três venenos (ignorância, paixão e agressão), isto é impermanente e isso é o tempo. Então, qual é o propósito de nossa vida? Livrar-se desta roda da vida. A liberação é quando você sai desta existência.

O que é que é liberado?

Boa pergunta — este porco. Então, portanto, a cobra e o pássaro também são liberados. Liberados do quê? Destes seis reinos. Trabalhar com a percepção é efetivamente o principal caminho do buddhismo. Tudo tem a ver com a percepção que está ditando sua vida, não é? Por exemplo, quando amam alguém, é uma percepção que está ditando seu romance, seu relacionamento. Se essa percepção é perturbada, mesmo que levemente, sua visão quanto a esta pessoa é definitivamente mudada. Talvez alguém finalmente lhes diga que uma pessoa que vocês namoraram por vinte anos tem um rabo que cresce em certo dia de lua cheia. E se vocês puderem ser convencidos disso, então sua percepção desta pessoa, que vocês namoraram por vinte anos, muda. Da próxima vez que ela telefonar, vocês terão de pensar duas vezes!

Estas percepções são, muito livremente, divididas em seis. Isso é tudo. Efetivamente, os próprios buddhistas dizem que estas não são as únicas percepções que temos, mas isto é a generalização das percepções que temos. Trabalhar com a percepção é realmente a base fundamental do caminho buddhista, especialmente no Vajrayana. Por exemplo, nos ensinamentos dos sakyapas sobre o Caminho e Fruto, há todo um segmento chamado Visão Tripla e isto é muito ensinado lá.

É muito estranho, até mesmo algumas culturas são mais orientadas a animais, algumas são mais orientadas aos deuses e algumas são mais orientadas aos humanos. Apesar, pelo benefício da comunicação, de termos dividido as percepções em “três reinos inferiores” e “três reinos superiores”, não estamos necessariamente dizendo que um é melhor que o outro. Os buddhistas não estão julgando. Vocês sabem por quê? Porque, de acordo com o buddhismo, qualquer um que esteja na pegada deste homem é inútil, esteja no reino dos deuses ou no reino do inferno. A hierarquia não tem muita importância aqui. São todos igualmente inúteis, igualmente sem importância. Alguém pode facilmente dizer que a guerra que tem acontecido na Palestina e Israel mostra o reino dos asuras, o reino dos semideuses. E se vocês virem a fome e inanição da Etiópia, da Índia ou de Bengala, vocês podem quase dizer que este é o reino dos fantasmas famintos. E se vocês virem a mente infinita, insaciável, que requer todos os tipos de brinquedos horríveis para estimulá-la, como couro, correntes e coisas assim, penso que vocês estão experienciando um pedaço do reino animal, não estão?

Se falarmos sobre hierarquia, ou se precisarmos julgar o valor destes seis reinos, os buddhistas diriam que o melhor reino é o reino humano. Por que este é o melhor reino? Porque vocês têm uma escolha. De onde vem esta escolha? Os deuses não têm uma escolha. Por quê? Eles estão muito felizes. Quando vocês estão muito felizes, não têm escolha. Vocês se tornam arrogantes. O reino do inferno — sem escolha, muito doloroso. Quando vocês não estão muito felizes e não estão com muita dor, o que isso significa? Um passo mais próximo da normalidade da mente. E quando estão totalmente com dor, vocês também não experienciam a normalidade da mente. Então, alguém no reino humano tem a melhor oportunidade de adquirir essa normalidade da mente. E é por isto que nas preces buddhistas vocês sempre lerão — idealmente, possamos nos livrar deste renascimento, mas se não pudermos fazer isto dentro desta vida, possamos renascer no reino humano, não nos outros. O reino humano é preferível ao reino dos deuses.

O Sr. Tempo parece bastante imponente. Todo o objetivo disto é escapar do Sr. Tempo, livrar-se de suas garras?

Sim, isso é a liberação. Temos de ir além do tempo. Se nos liberarmos do tempo e do espaço, é isso. Teremos feito nossa tarefa. Não há passado, não há presente, não há futuro. Então não há Sr. Sigmund Freud. Não podemos pensar quanto à nossa infância passada e todas aquelas coisas!

Estamos começando a falar sobre os doze elos da originação interdependente, e a primeira coisa da qual falaremos é a ignorância. Já falamos sobre a ignorância, que é simbolizada pelo porco no centro da roda da vida. O que é ignorância? De modo muito simples, posso dizer que ignorância é, efetivamente, distração. Quando a mente é distraída por algo, então isso é ignorância. Todo o ato de se distrair é ignorância.

Baseado na teoria buddhista, a evolução da ignorância é uma idéia. Vamos pegar uma idéia abstrata, como uma mesa. Primeiro, criamos um rótulo como "uma mesa", mas esse rótulo é, efetivamente, uma entidade abstrata. Por exemplo, quando olhamos para uma mesa, vocês não vêm realmente uma entidade que é a "mesidade". Há pernas, há madeira, há pregos, tudo isso. Se desmontarem a mesa em partes, cada uma delas é um fenômeno diferente: madeira é madeira, prego é prego. Dentro do fenômeno "mesa", há muitas, muitas partes que não são necessariamente referenciadas como "uma mesa". Mas quando estão todas juntas, então há a idéia ou o rótulo de "uma mesa", e criamos essa mesa, criamos esse rótulo. Isso ainda está bem, isso ainda não é uma grande falha. A falha vem em seguida, quando vocês pensam que essa idéia abstrata não é abstrata, mas sim concreta; quando pensam que há efetivamente uma mesa existindo, realmente existindo. Entenderam?

Efetivamente, para colocar isto de modo muito simples, é apego ao rótulo. Ignorância é apego a um rótulo. A partir de toda esta rotulação — flores, mesa, cadeiras, terra, água, fogo —, há um rótulo que é provavelmente o mais perigoso. Não é apenas perigoso; ele tem o maior potencial, é o mais destrutivo, construtivo e, ao mesmo tempo, o mais elusivo. Basicamente, a raiz de todos os outros rótulos é o rótulo de "eu", de "mim mesmo".

Novamente, como a mesa à qual estávamos nos referindo anteriormente, quando dizemos "eu", estamos nos referindo a algo abstrato. Isso está bem; mas o que não está bem é o forte apego a este "eu", que é representado pela figura de uma pessoa cega [1] bem abaixo das presas do Tempo, o monstro irado. O que esta ignorância faz? O "eu" é essa forte noção que pode destruir todo o mundo se a ele for dado autoridade, equipamento, dinheiro, poder. Todos temos o potencial para sermos — e somos de nosso próprio modo — um pouco de Saddam Hussein, um pouco de Osama bin Laden, um pouco de George Bush, um pouco de Donald Rumsfeld. Todos nós temos esse potencial. Por quê? O apego ao "eu" é muito forte. Por que esse apego ao "eu" é tão forte? Porque, ironicamente, ele ainda não confirmou que existe, é por isso. É muito irônico, não é? Quando algo não está certo, vocês têm este impulso obsessivo de confirmá-lo. Têm de conseguir a confirmação. É por isso. E isso vem acontecendo para sempre. Esta incerteza — se o "eu" existe ou não — precisa ser confirmada constantemente e vocês precisam confirmá-la.

E o que vocês fazem? Vocês agem — fazem amigos, fazem compras, fazem sexo, usam chicotes e algemas, ou cera derretida, o que faz com que vocês realmente sintam que existem. Este é o segundo elo, a ação, que é representada por uma pessoa fazendo um pote [2]. Nos termos buddhistas clássicos, karma é ação. Quando estamos inseguros, vocês sabem como temos de fazer algo, desde tomar Prozac até fazer meditação, ou cantar mantras, o que quer que seja — todas estas são ações para provar que vocês existem. E quando falamos sobre estes elos, ele estão em um tipo de ordem. Mas não pensem que estas coisas demoram — como se primeiro houvesse a ignorância, e então houvesse uma pequena pausa, e então houvesse ação. Não é assim. É realmente, realmente rápido. É muito rápido, quase ao mesmo tempo.

No momento em que vocês têm a ação, ela é acompanhada pela consciência, que é representada por um macaco [3] — esperto, muito esperto, pulando todo o tempo, indo a todo lugar. Aqui, lá, vocês pensam que ele está aqui e no próximo minuto ele está lá. Mas, vocês sabem, esses macacos domados estão acorrentados com todos os tipos de cordas. Não importa o quão espertos eles sejam, eles ainda não sabem como desfazer estes elos e correm daquele que os abusam. Basicamente, a consciência emerge da ignorância. Os macacos são espertamente estúpido, isso é tudo. Eles são idiotas espertos. (É um tipo de injustiça quanto aos macacos!)

Então, o que aconteceu? Vocês precisam confirmar esta ignorância, esta insegurança. Vocês criam uma ação; a ação é acompanhada por esta consciência, como a consciência do olho, a consciência do ouvido, a consciência do nariz, a consciência da língua e a consciência do tato. Isto então se desenvolve nama e rupa, o que é representado na quarta imagem da roda da vida, nome e forma. Poderia ser João, Paulo, democracia, uma tendência ou uma moda. Mas estritamente falando, aqui há um bote que simboliza a identidade, e dentro do bote há cinco agregados que são representados pelos cinco viajantes [4]. Aonde quer que vá este rótulo, esta identidade, este tendência, de algum modo os cinco agregados, sem muita escolha, vão junto. Aonde eles vão? Eles não alcançam lugar nenhum. Apenas rodam e rodam neste oceano do samsara. Basicamente, estamos falando sobre construir a identidade, auto-identidade, si mesmo. Vocês agora construíram com sucesso uma identidade — mim mesmo, eu, buddhista, hindu.

Então, uma vez que construam isso, do que vocês precisam? Este "mim", este "eu", sem todo o resto, é inútil. Novamente, ele se tornará muito solitário. Ele precisa de um lugar para se distrair, para se ocupar, como um emprego ou um entretenimento, que é representado por uma casa vazia com cinco portas [5] — os objetos dos sentidos como visão, som, odor, sabor, toque. Com esta identidade, esta noção de "eu", atravessamos ou entramos nesta casa dos objetos dos sentidos. É uma casa vazia; não há nada dentro, mas pensamos que há algo muito valioso dentro dela. Ou, se acontecer de estarem dentro dela, vocês pensam que deve haver algo muito valioso do lado de fora, e então vão para fora. Então, isto faz nascer o quê? O contato [6]. Os tibetanos são incorrigíveis quando pintam; isto é supostamente um homem e uma mulher se beijando. Basicamente nos encontramos, temos contato entre o sentido e o objeto do sentido, a consciência e o objeto. Há o contato, e a que este contato conduz? Conduz ao sentimento, que é representado por ser cegado por uma flecha em um olho [7].

Vamos voltar ao "eu". Temos o "eu", a ignorância — inseguro e ao mesmo tempo muito, muito, muito orgulhoso. Muito egoísta, mas ao mesmo tempo muito inseguro, e por causa disso temos de fazer algo. Conforme fazemos, criamos consciência, forma, criamos um certo tipo de identidade, uma tendência ou algum tipo de moda à qual pertencemos. Sem a ajuda da forma, da tendência, deste sentimento, saímos para os objetos dos sentidos, e quando saímos, encontramos o objeto. No momento em que nos encontramos, então sentimos — não necessariamente sentimentos bons, às vezes sentimentos ruins. Um sentimento é criado. O sentimento conduz ao apego, que é representado por uma pessoa bebendo álcool [8]. Este "eu" inseguro está atravessando esta forma e sentimento, e toda esta identidade, e então encontramos um sentimento muito bom. Claro, cobiçamos por mais.

Mas às vezes encontramos contato ruim, sentimento ruim, e então cobiçamos dissipá-lo, para desfazê-lo, para ganhar algum tipo de vitória. Vocês sabem como somos tão apegados para consertar o problema, não somos? Em ambos os casos, basicamente, o que está acontecendo — estejam vocês simplesmente desfrutando a experiência, ou talvez não necessariamente desfrutando-a — é que há um tipo de sentido de vício para se liberar do problema, para consertar o problema. Em ambos os casos, vocês obtiveram cobiça, cobiça por mais.

A cobiça conduz ao tomar, que é representado por uma pessoa pegando alguma fruta [9]. Então tomamos — informações, posses, comida, bebida. Uma vez que vocês tomem, o tomar conduz ao apego que é simbolizado pela mulher grávida. Então vocês seguram o que cobiçam e o que acabaram de obter ao tomar. Esse segurar é o que chamamos de existência, e isso é representado pela mulher grávida [10], que então conduz ao nascimento [11]. O nascimento automaticamente conduz ao envelhecimento; o envelhecimento conduz à morte [12].

Estes são, brevemente, os doze elos da originação interdependente. O que estive explicando a vocês é apenas realmente, realmente o básico. Este é um assunto muito grande; ele é ensinado no Abhidharmakosha e no Abhidharmakosha-karika de forma realmente extensiva.

Não estamos apenas falando sobre uma evolução humana natural — primeiro a ignorância, então a ação e assim por diante. Definitivamente é isso, mas também estamos falando sobre o que acontece dentro de um instante. Quando vamos a uma cafeteria e pedimos um cappuccino, há ignorância, que conduz à ação, que conduz a tudo... Até vocês terminarem seu cappuccino, que é a morte, que então conduz a um aperitivo, a uma dor de cabeça ou alguma outra coisa. Em cada ação, em cada aspecto de nossa vida, há os doze elos da originação interdependente.

adaptado de www.siddharthasintent.org

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